domingo, 15 de maio de 2011

Ritual da Amizade


Existe um sentimento distinto quando falamos de amigos. Muito mais quando falamos de amigos que têm quase a mesma identidade, que é do mesmo lugar que nascemos ou que vivemos por muito tempo, eles parecem conhecer o que queremos dizer, sem ao menos esboçarmos uma palavra. O gaúcho gosta do ritual da amizade. Gosta de reunir amigos para o chimarrão, para o churrasco feito com técnica aprendida de berço. Gosta de contar “causos” daqueles já “passados de muitos anos”. Esses rituais os fortalece. E para me sentir mais fortalecida, depois de bastante tempo, fui visitar aquela família gaúcha: meu amigo, o marido, a mulher e a filha. A filha apenas da mulher, mas criada como se fosse dele. Ele tem mais 2 filhos, mas não vivem juntos. Isso mostra que “nossos filhos, não são nossos filhos” e que qualquer um pode ser nosso filho diante da espiritualidade. Bonito assistir meu amigo sendo pai da Gabriela. Junto comigo, mais dois amigos: um que conhecia, porém não o via há muito tempo, e o outro que acabei de conhecer. Ambos sós, separados... sós... parecia que todos buscavam a mesma coisa: uma pitada de divertimento para esquecer um passado tão recente... Uns mais, outros menos, mas todos com uma única intenção: prosseguir nessa vida tão conturbada. Precisamos sobreviver. Nossos princípios não nos deixam tomar outra atitude. Meu amigo, que admiro muito por inúmeras razões, principalmente pela sua sensibilidade diante do outro, de maneira singular, pois não costuma extravasar emoções, estava feliz. Dava para sentir em sua voz e enxergar em seu olhar. Seus amigos reunidos. É disso que ele gosta, é disso que um bom gaúcho gosta. Fazia a refeição da noite, que saboreamos destemidos, pois era ele quem a estava preparando. Ele sabia cozinhar e, além disso, gostava de fazê-lo para os amigos. Emocionados, dizíamos algumas piadas, umas meio sem-graça, outras mais elaboradas, mas todas com um gosto de amizade; gosto de “por que deixamos de fazer as coisas que gostávamos tanto?”; alguns mais ressentidos: “por que trocamos algumas coisas por outras e nos tornamos menos felizes?”; outros mais otimistas: “que bom que estamos revivendo fatos passados, isso nos faz sentir que podemos continuar firmes, pois sempre nos teremos para nos fortalecer”... junto a todo esse sentimento, bebíamos um saboroso vinho, típico gauchesco, de garrafão. Ah!!!! Lembro-me de ter tomado muitas taças e o melhor: me sentia muito bem! Meu amigo, emocionado, pediu silêncio e declamou uma poesia em minha homenagem; para muitos, pode não dizer nada. Para mim, tudo... “tomate, 25 fatias de queijo, sardinha/atum, refri, farinha, fermento, cebola, azeitona...” A poesia de meu amigo nada mais era que a sua compra para fazer a pizza que pretendia, à noite; entretanto, nada mais emocionante e revelador que alguém pensando em preparar uma refeição para receber seus velhos amigos e recordar fatos passados com os quais fomos tão felizes. A cada item adquirido, naturalmente, mesclava com pensamentos sobre seus convidados. Assim que, a cada tomate comprado, farinha ou fermento, havia ali uma história, havia ali uma recordação de cada participante. Mentalmente, dispunha em suas formas, o queijo por cima dos ingredientes mais importantes.... ah!!!! e a massa que já havia feito ao sair de casa!!!! Meu amigo, se bem o conheço, planejou cada detalhe como em uma cerimônia religiosa, como um ritual: o ritual da amizade. Nesse ritual é preciso conhecer cada participante, é preciso respeitar seus gostos, é preciso amar seu jeito de ser, é preciso doar-se. E essa doação fez nossa cerimônia ser ainda mais divinal. Essa doação que vem da alma, essa doação que faz o amigo ser amigo, o pai ser inigualável, o marido ser indispensável. Não deixa nunca de doar-te assim, meu amigo, isto está em tua alma, que refletiu em cada um de nós, quando comíamos a pizza tão saborosa e bebíamos felizes, uma taça de vinho. Não deixa nunca de fazer o teu ritual da amizade.

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