quinta-feira, 8 de outubro de 2009

Claras Evidências

A vela estava acesa, atrás de uma cortina, no altar da minha casa. Foram muitas as casas em que moramos. Todas elas tinham aquele altar com alguns santos. Lembro-me muito bem do preto-velho sentado num toco e fumando cachimbo. Acho que tinha 6 anos. Recordo aqui um episódio que me incomodava muito. Eles estavam acostumados e eu não entendia o que se passava, sabia que não queria que aquilo se tornasse um hábito. Mas, passei a vida sem esquecer.

Minha mãe tinha um pequeno altar naquela casa e nas outras também. Mudávamos sempre de casa e de cidade. Havia também um retrato de Alan Kardec e outro de Bezerra de Menezes. Esses me acompanharam enquanto morei na casa dos meus pais.

Minha mãe acendia uma vela cada vez que minha irmã tinha uma crise, chamada epilepsia. E ela as tinha seguidamente, regularmente. O mais estranho é que ninguém me explicava nada, apenas que eu devia ficar quieta para a doente poder descansar. Todos ficávamos exaustos após aqueles episódios epiléticos e minha mãe, acho que com o intuito de nos acalmar, acendia uma vela no altar atrás da cortina. O que via era uma grande luz que invadia o quarto, invadia a casa e penetrava na minha cabeça, transformando pensamentos de criança em verdadeiras histórias de terror. Um medo horroroso se apossava de mim a cada vela acesa. A minha visão era somente um ambiente nebuloso entre dores, angústias, inseguranças e uma vontade louca de que as coisas fossem diferentes. Nunca houve uma saída para aquilo, senão olhar para a luz e encontrar, através dela, o fim do túnel. Talvez por isso minha mãe sempre mantinha uma acesa. Uma vela tem muitos significados. Naquele momento poderia ser o caminho do meio, ou seja, nem paz, nem desarmonia. Apenas olhos fixos naquela luz, desejando sermos encaminhados a outro lugar. Deixar de sentir aquela dor, deixar de sofrer aquele sofrimento. No altar, ainda queima a vela da esperança. Aquela acesa com a certeza de que algo vai mudar naquele cenário.

Passa a noite. Amanhece. Aquele pássaro cisma em cantar às 5h da manhã com a ajuda insistente do meu pai. Canário chato! Parece que fica debochando da nossa cara depois do terror da madrugada. Mas o pai sempre faz das suas e adora ironizar a vida. O canário era tão amigo dele, que quando morreu o levou junto no dia seguinte. Cantar só para nós deveria ser mais chato ainda.

Meus sentimentos se confundem, pois nada me conforta. Vejo nova vela no altar junto com a claridade do dia. Meus pensamentos se atravessam: a vela é acesa depois do episódio, ou antes dele? Isso quer dizer que vai acontecer o episódio novamente?

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